Quando digo que me lembro de Saramago...

Valter Hugo Mãe

Quando digo que me lembro de Saramago a voar pelas janelas do meu bairro, avisando para os males e alegrias do mundo, afinal, não considero desonesto, porque nenhum efeito da Literatura é desonesto. O modo como os autores nos acontecem são íntimos e definem muito de quem somos e somos
tanto a nossa imaginação quanto a contingente realidade que podemos, em bocados, partilhar.

Saramago voava muito às janelas do meu bairro para avisar de tanto mal que já o esperávamos à hora certa e, quando deixou de poder vir, o mundo invariavelmente embruteceu.

Depois, alguém teve a ideia de abrir as portas de uma biblioteca e puseram-se os livros a comentar como fazer, o que fazer com a liberdade. E os de Saramago não demoraram nada naquele
espanto. Levantaram no sopro e passaram a vir ao bairro uma e outra vez. Afinal, tantos anos depois da sua morte, tudo quanto deixou é vigência, urgência, essência por assumir e cuidar.
Saramago é um sentido. É por toda a parte. Ele é por toda a parte.