O PCP realizou ontem em todo o País, um conjunto de acções de esclarecimento com o tema «Não às chantagens da UE – não às sanções», promovendo o contacto com trabalhadores e populações, denunciando a ingerência e afirmando a necessidade de uma política de defesa do povo e do País. Na acção realizada junto à estação da Trindade, no Porto, Jaime Toga, da Comissão Política do Comité Central do PCP, destacou que Portugal não pode tolerar mais agressões à sua soberania, aos direitos dos portugueses e à democracia, afirmando que é preciso rejeitar as sanções e quaisquer outras imposições resultantes do Euro e da União Europeia que procurem condicionar opções soberanas do Estado Português.
Seminário “A União Bancária - Um passo mais na integração capitalista europeia”
A União Bancária
INTRODUÇÃO Camaradas e amigos, estamos aqui reunidos neste seminário para debater e aprofundar a União Bancária, melhorando o nosso conhecimento sobre estas matérias para podermos mobilizar melhor as populações e os trabalhadores. Em 2008, o mundo assiste à maior crise financeira cá sua história recente. Esta crise tem raízes no processo de liberalização da economia encetado nos anos oitenta. Com esta liberalização, privatizaram-se as grandes instituições financeiras públicas criadas no pós guerra. Desregulamentou-se por completo as atividades financeira e os movimentos de capitais. Criaram-se nesta base os bancos demasiados grandes para falir. Nasce assim o chamado risco sistémico. Quando rebenta a bolha especulativa em 2007, a crise económica e financeira que se lhe segue irá impor custos astronómicos aos Estados numa operação sem precedentes destinada a “salvar” o sistema financeiro. Entre 2008 e 2012, foram gastos pelos estados nacionais 1,5 triliões de euros (são valores da Comissão Europeia), equivalente a cerca de 13% do PIB combinado dos Estados membros da UE. É na sequência desta profunda crise económica e financeira que abalou a economia mundial que os Chefes de Estado e de Governo da União Europeia decidiram em Junho de 2012 criar a “União Bancária”. A União Bancária foi assim criada com o fundamento simpático de “controlar” os bancos e de “evitar” que, na próxima crise, sejam os contribuintes europeus a ter que pagar a fatura. Nada mais falso, como iremos ver adiante. A União Bancária é constituída por três pilares: o mecanismo único de supervisão, o mecanismo único de resolução e o sistema de garantia dos depósitos. Os dois primeiros encontram-se já em funcionamento ao contrário do terceiro que conta neste momento, com as reticências do governo alemão.
O Sistema de Garantia dos Depósitos Não deixa de ser significativo que seja este terceiro pilar, o único que teoricamente defenderia, de forma direta o interesse dos depositantes, a marcar passo. O Sistema de garantia dos depósitos visa criar um esquema mutual à escala europeia destinada a garantir os depósitos até 100 mil euros. Desta forma, e segundo os teóricos da União Bancária, a garantia sai reforçada porque não depende da capacidade solvente do estado nacional do depositante. Ou seja, retira-se soberania monetária aos estados nacionais, enfraquecendo a sua capacidade de controlar o sistema financeiro, para depois impor um sistema de garantia supranacional com o argumento segundo o qual os estados nacionais não apresentam condições para dar esta segurança aos depositantes. A pergunta que se impõe, designadamente aos muitos partidos ditos de esquerda que anseiam por este pilar da União Bancária, é se não seria mais ajuizado mudar de rumo e voltar a reforçar os bancos centrais nacionais por forma a evitar estarmos mais uma vez dependentes do BCE para garantir os nossos depósitos. Ou alguém acredita que o eventual accionamento desta garantia será concedido sem condições? Como dissemos, estes sistemas representa o pilar que falta à União Bancária. Perante a intransigência alemã que recusa liminarmente contribuir para mais um fundo que possa beneficiar outros países, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de constituição de um resseguro de depósitos construído à volta de uma complexa teia de produtos financeiros ainda em discussão. Veremos como evoluem as negociações.
O Mecanismo Único de Supervisão A partir de Novembro de 2014, o BCE ficou responsável direto pela supervisão de 130 dos maiores bancos europeus, representando cerca de 85% do sistema bancário europeu. No que diz respeito a Portugal, os 4 maiores bancos portugueses (CGD, BCP, BPI e Novo Banco, ex. BES) ficam sob supervisão direta do BCE. O BCE também publicou uma lista de instituições ditas "menos significativas" onde se encontra o BANIF bem como todas as restantes instituições de crédito nacionais que continuam a ser supervisionados pelas autoridades nacionais competentes em representação do BCE. Contudo, o BCE pode decidir, em qualquer momento, exercer a supervisão direta a fim de assegurar a aplicação consistente de elevados padrões de supervisão. Falar de supervisão passa em primeiro lugar por reconhecer o óbvio, ou seja, que a supervisão falhou sucessivamente no passado. Em 2014 e antes de assumir a supervisão única, o BCE promoveu os famosos testes de “stress” nos 130 maiores bancos europeus. Ora, num dos dois testes - a avaliação dos ativos (AQR) que começou em Novembro de 2013 e se prolongou até Outubro de 2014 - nada se descobriu relativamente ao BES que faliu em Agosto de 2014. Já no que toca ao BANIF, o banco declarava em Setembro de 2015 que tinha capital e reservas de 675 milhões de euros, permitindo-lhe apresentar um rácio de capital CET1 de 8,5% e um rácio de solvabilidade de 9,5%. Ou seja, os dois rácios de capital do Banif situavam-se bem acima do mínimo legal exigível pela supervisão europeia. O resultado foi o que está à vista. Alimentar esta ideia segundo a qual o sistema financeiro pode ser regulado e supervisionado, evitando assim uma gestão demasiado arriscada, representa um enorme embuste. Os factos estão aí para refutar qualquer possibilidade de controlar seja o que for. Apontámos já vários exemplos. Mas se olharmos para outros fenómenos com os bancos sombras, ou as constantemente renovadas técnicos de contabilidade criativa, onde se confunde deliberadamente dívida e capital, facilmente se compreende que o sistema financeiro dificilmente poderia ser controlado e muitos menos através deste mecanismo único de supervisão que concentra a atividade de supervisão no BCE, afastando-se do terreno que pretende controlar. Naturalmente que o propósito do mecanismo único de supervisão é, acima de tudo, obstaculizar ainda mais todo e qualquer controlo público por parte dos estados nacionais sobre os respetivos sistemas financeiros. Ao centralizar-se a supervisão no plano supranacional, os Estados perdem mais um importante instrumento político vendo ainda mais limitada a sua soberania num sector vital para qualquer economia. Vejamos por exemplo o caso da CGD. Imaginemos um governo progressista que queira colocar a CGD ao serviço do desenvolvimento do país, financiando as PMEs e o sector produtivo. Estes empréstimos são de maior risco e irão degradar os rácios de solvabilidade que são calculados de acordo com as regras da supervisão, ao ponto de tornar inviável tal política. Hoje discute-se a limitação a impor aos bancos na sua exposição às dívidas soberanas. Não é por acaso que a Comissão Europeia afirma em resposta a uma pergunta do PCP, que é indiferente à propriedade pública ou privada da banca, desde que siga as regras da concorrência e da União Bancária.
O Mecanismo Único de Resolução O Mecanismo Único de Resolução (MUR) é apresentado com o objetivo de implementar uma gestão mais eficaz da chamada resolução bancária através de um Mecanismo de Único de Resolução (MUR) articulado em torno de um Comité Único de Resolução (CUR) e de um Fundo Único de Resolução (FUR). Assim, se um banco entra em falência, a lógica de “bail out” que prevaleceu até aqui (capitais de externos ao banco falido, normalmente públicos, recapitalizam o banco) é, teoricamente, substituída pelo “bail in” (são os próprios acionistas e credores do banco a pagar os prejuízos), isto claro segundo a propaganda que acompanha o projeto da União Bancária. O Fundo Único de Resolução constituído a partir das contribuições dos bancos começa a ser criado em Janeiro de 2016 e pretende-se que esteja plenamente constituído em 2024 com um valor de 55 mil milhões de euros, correspondente a cerca de 1% dos depósitos cobertos. As contribuições de cada banco são ponderadas pelo risco dos seus ativos que são avaliados periodicamente pelo mecanismo de supervisão. Em toda a propaganda destinada a vender o pacote da União Bancária, usa-se até à exaustão a ideia de que os contribuintes deixarão de ter de pagar as operações de financiamento do sistema financeiro. Mas, uma coisa é a propaganda e os discursos, e outra a realidade. Os documentos legislativos (aqueles que realmente contam) são muito menos contundentes. As expressões “os contribuintes não serão novamente chamados a pagar”, ou “para que, no futuro, os contribuintes não tenham de pagar a fatura dos erros cometidos pelos bancos” são substituídos por formulações bem mais vagas e menos vinculativas de tipo “com custos mínimos para os contribuintes e para a economia real” ou “um regime de resolução eficaz deverá minimizar os custos a suportar pelos contribuintes”, etc.. De acordo com os regulamento, havendo um banco em dificuldade, das duas, uma, ou não comporta risco sistémico e entra em falência de acordo com os procedimentos legais de insolvência, ou apresenta risco sistémico e neste caso, sob decisão do CUR entra em ação o mecanismo único de resolução. Em termos concretos, o Fundo Único de Resolução entra em ação a partir do momento em que as perdas dos acionistas e outros credores atinjam o nível mínimo de 8% do ativo. Contudo, o contributo do fundo de resolução não pode ir para além dos 5% do ativo. Finalmente, e tal como faz questão de sublinhar o regulamento, nada impede os governos de ir para além destes limites no que toca à chamada recapitalização dos bancos. Contudo, e como facilmente se comprova, este mecanismo não evita o recurso a fundos públicos para pagar os prejuízos da banca e muito menos resolve a questão de fundo das entidades demasiado grandes para falir (“too big to fail”). O fundo de resolução representa apenas 3,5% dos fundos públicos aplicados durante a última crise, entre 2008 e 2012. Por outro lado, os próprios limites da aplicação do fundo (os tais 5%) são claramente insuficientes, mesmo considerando as perdas sofridas pelos acionistas. Assim foi no caso do Banif onde a intervenção do fundo de resolução (alimentado com fundos públicos) representou 17,6% do seu balanço. Para ter uma ideia das escassez deste fundo, compare-se o valor das imparidades registadas só na banca portuguesa, avaliadas em 40 mil milhões, com o valor no fundo de resolução, 55 mil milhões, destinada a cobrir toda a banca da zona euro. Este mecanismo de resolução não tem manifestamente os meios necessários para garantir um mínimo de eficácia. Compreendemos que assim seja, porque um fundo mais generoso poderia levar a banca a aumenta o risco na sua atividade. Por isso é que defendemos soluções que ataquem o problema na raiz e não apenas meros paliativos. É o problema reside na estátua do sistema público, e na existência das instituições demasiados grandes para falir. E a solução passa por medidas de fundo assentes na separação entre banca de retalho e investimento, e acima de tudo pelo controlo público do sistema financeiro.
Conclusão A união bancária representa o maior passo na integração capitalista da Europa desde a criação do Euro. Concentra no BCE um conjunto de poderes e competências profundamente conflitantes que levantam mais uma vez a questão da sua legitimidade democrática. Como fica claro com contas simples, a União Bancária, com os seus três pilares, não resolve nenhum dos problemas que estão e estiveram na base da actual crise econômica e financeira. No fundamental pretende apenas criar um paliativo que não tem outro propósito senão criar a ilusão de que alguma coisa está a ser feita para que tudo permaneça na mesma. Mas debaixo desta manobra de diversão, a união bancária representa um poderoso mecanismo de gestão de um processo em curso de concentração do setor financeiro, retirando aos Estados Nacionais qualquer possibilidade de controlo e qualquer veleidade em decidir do seu modelo de desenvolvimento. Ou seja, assegura um mecanismo que garante ao grande capital estabilidade, mantendo a canalização de fundos públicos ao serviço dos seus interesses e conveniências. As instituições "demasiado grandes para falir" continuam intocáveis, e, consequentemente os Estados, ou seja os trabalhadores e o povo, continuarão a ser chamados a cobrir os prejuízos do grande capital financeiro aquando do rebentamento da próxima bolha especulativa que acontecerá mais tarde ou mais cedo. Tal como o PCP defende, a importância do sistema financeiro e a experiência do presente e do passado recente exigem um ruptura com estas políticas e implicam o controlo público da banca e do sistema financeiro. Esta é um condição essencial para garantir que os recursos financeiros da nossa economia sejam colocados ao serviço do desenvolvimento do país e da melhoria das condições de vida do povo e dos trabalhadores.
Seminário “A União Bancária - Um passo mais na integração capitalista europeia”
Boa tarde. Caros camaradas, amigos e estimados convidados, Esta tarde temos estado a discutir o setor bancário, nomeadamente as implicações neste fruto da criação da União Bancária. Talvez repita algumas ideias já aqui trazidas, mas permitam-me voltar ao projeto da união bancária antes de cingir a minha intervenção à supervisão bancária.
No Relatório Anual do BCE sobre as atividades de supervisão, publicado em março deste ano, Mario Draghi afirmou – passo a citar -, “ (...) a União Bancária não é um objetivo em si mesmo, mas um passo fundamental para a consecução de um mercado único europeu de serviços bancários e financeiros” fim de citação. No mesmo relatório, o presidente do BCE afirmou taxativamente que só poderá haver moeda única se existir um sistema bancário único.
Pois é, tal como noutros momentos da história da integração capitalista europeia, para salvar um sanguessuga (sanguessuga da soberania, da independência e da liberdade para o nosso povo decidir sobre o seu próprio destino), criamos uma outra.
Obviamente que, antes de se assumirem tão explicitamente, inventam desculpas esfarrapadas e procuram bodes expiatórios: foi assim com o mercado único de bens e serviços, foi assim com o euro e, mais recentemente, com a união dos mercados de capitais.
As desculpas arranjadas para a criação da União Bancária foram, claro está, a crise financeira 2007/2008 e a chamada crise das dívidas soberanas, as quais revelaram a opacidade do sistema financeiro, a dispersão (segundo eles) das estruturas de supervisão e desequilíbrios macroeconómicos.
Deste modo, a supervisão bancária (sob a forma do mecanismo único de supervisão) foi a prioridade da União Bancária.
Este mecanismo é constituído pelo BCE e pelas Autoridades Nacionais Competentes (no nosso caso, o Banco de Portugal) dos Estados-membros participantes.
Anualmente, a supervisão bancária do BCE adota um plano de atividades da supervisão para as instituições que supervisiona. Este plano define, para cada instituição significativa, as principais atividades de supervisão que serão realizadas para acompanhar os riscos e abordar as deficiências. Identifica as instituições que deverão ser objeto de supervisão reforçada. O plano de atividades de supervisão de uma instituição significativa abrange atividades de supervisão permanente, inspeções no local e análise dos modelos internos.
Importa mencionar que, relativamente às instituições significativas, o BCE desempenha um leque bastante alargado de funções: produção de regulamentação, orientações ou instruções gerais às Autoridades Nacionais de Competentes que desempenham a tarefa da supervisão diária e adotar as decisões políticas. Ademais, sempre que se revelar necessário o BCE pode atuar individualmente e pôr em prática todos os seus poderes sobre os bancos, com o intuito de assegurar a aplicação consistente dos padrões de supervisão.
Poderíamos, certamente, continuar a dissecar a supervisão bancária europeia e os seus inúmeros regulamentos, que parecem (ou assim nos levam a crer) funcionar como um bunker para refugiar os bancos e proteger os povos de novas crises financeiras. Porém, e apesar de tal exercício se revelar muito entusiasmante, não teremos tempo hoje para o fazer.
Mas, pergunto eu e possivelmente vós também, se o Sistema Europeu de Supervisão Financeira existe desde 2011 e o Mecanismo Único de Supervisão se encontra operacional desde novembro de 2014, como se explicam os casos do BES e do Banif? Mais, onde estavam o BCE e o Banco de Portugal? Que foi aconteceu à supervisão, prioridade máxima?
Bom, o BCE sacudiu à água do pacote e prontamente apontou o dedo aos Estados-membros e às autoridades nacionais. Aqui, que todos nos ouvem (ou não porque a comunicação social não achou importante comparecer ou achou que a ausência de estrelas televisivas não justificava uma deslocação a este belo local) é normalmente isto que as chamadas instituições europeias fazem. Aliás, a suposta incompetência e laxismo dos Estados-membros serve frequentemente para retirar soberania e poder de decisão aos povos dos Estados-membros.
O Relatório Anual das atividades de supervisão referente ao ano de 2015, apontou o dedo às faculdades e opções nacionais (que são disposições flexíveis de aplicação da regulamentação concedidas aos Estados-membros) e à aplicação inconsistente das disposições da legislação existente. Afirmam que a heterogeneidade afeta a comparabilidade dos rácios reportados e cria incerteza quando às reais posições de capital e de liquidez das instituições de crédito, afetando a coerência das decisões de supervisão. A solução deles é fácil de adivinhar: harmonizar e integrar a nível o sistema bancário ao máximo, de modo a alcançar uma supervisão bancária completamente supranacional.
O Banco de Portugal também diz que não se lembra, que não sabe, que não viu. Será? Não acreditamos.
Infelizmente, o preço a pagar é alto, e muito! Mas sabemos que não é pago pelos banqueiros. No imediato, mais exigências financeiras ao Estado (que, desta vez, esperemos e lutaremos para que não vá buscar ao bolso dos trabalhadores). Mais a médio prazo, a exigência será feita à soberania e à independência dos Estados-membros.
Não tenhamos ilusões. Mais regulamentação, mais harmonização e maior aprofundamento do mercado único não resolverá o problema. Porquê? Porque o a ganância dos banqueiros e da alta finança não cessará. Eles também o sabem, até porque o que eles querem na verdade é concluir o seu projeto de integração capitalista europeia: profundamente federalista e neoliberal.
Para nós a solução passa somente pelo controlo público da banca.
Seminário “A União Bancária - Um passo mais na integração capitalista europeia”
A UEM e a financeirização da economia
Há quase vinte anos, as edições avante editavam algo a que o seu autor chamaria “uma colecção de fichas em forma de livro”. As fichas, escritas e alinhadas pelo camarada Sérgio Ribeiro, foram então reunidas num livro, que levou o título “Não à Moeda Única – Um contributo” e constituiu um importante instrumento de intervenção na campanha de esclarecimento promovida pelo PCP sobre o Euro e o seu processo de criação.
A páginas tantas, melhor dizendo, a fichas tantas, uma delas surge, já na parte final do livro, que leva o título “o capital especulativo e a especulação”. Aí se dizia que: “Capitais há muitos, embora o capitalismo seja só um”.
À época, 1997, a caminho da terceira e mais importante fase da União Económica e Monetária – a criação do Euro – acrescentava-se que (e cito): “Aquele capital que hoje predomina no espaço europeu é transnacional, ultraliberal, financeiro, especulativo. Reclama insistentemente menos Estado e só faz aplicações produtivas se beneficia de apoios desse mesmo Estado e/ou de estruturas supranacionais, como será o caso da União Europeia”. [...] “Esse capital especula na Bolsa, nos vários mercados, no mercado de capitais, especula cambialmente. Mas ao mesmo tempo e contraditoriamente, pretende estabilidade monetária para as suas transacções transnacionais, para a sua internalização (trocas internas em espaços internacionais)” (fim de citação).
Um dos muitos argumentos então utilizados pelos defensores do Euro era o de que a moeda única acabaria com a especulação, ou, pelo menos, com a especulação cambial. Em tom prudente, numa outra ficha do livro, procurando precisamente desmontar esta falácia, lembrava-se que muito embora, à partida, não se possa especular com o que não existe, sendo a imaginação dos especuladores tão fértil, melhor seria não o dizer em definitivo...
A verdade é que dez anos depois da entrada em circulação das notas e das moedas em euros, a especulação sobre as dívidas públicas dos países periféricos da Zona Euro, desprovidos de moeda própria, lançou toda a Zona Euro e a própria União Europeia na maior crise da sua história, com dramáticas consequências económicas, financeiras e sociais, que estão longe de ser superadas.
Como desde sempre afirmámos e como está hoje mais claro do que nunca, a União Europeia, desde a sua génese aos sucessivos aprofundamentos e alargamentos que lhe deram a configuração actual, está toda feita para promover e defender os grandes grupos económicos e financeiros das suas principais potências. A também chamada, mal chamada, “construção europeia” é a construção na qual se abrigam os interesses da alta finança europeia, que promove a concentração e centralização do capital na Europa.
A União Europeia é isso mesmo, a superestrutura política do grande capital europeu transnacionalizado. Na fase actual de desenvolvimento do processo de integração capitalista, a União Bancária é o topo desta construção, a sua cúspide, a ponta-de-lança da integração económica e monetária.
Tal como a UE serve os monopólios europeus, a União Bancária serve os megabancos europeus.
A União Bancária – com o seu mecanismo único de supervisão e de resolução bancária – é uma forma política de agilizar o processo de centralização e concentração de capital no plano da União Europeia, com o qual se promove o encerramento de bancos de menor dimensão, a fusão, a concentração de depósitos e investimentos nos grandes colossos financeiros.
É esse e não outro o seu principal objectivo. Mistificações à parte, não precisamos de um mecanismo europeu único de supervisão e resolução bancárias para fazer recair os custos da resolução dos bancos sobre quem deve arcar com esses custos, prioritariamente os seus donos privados e os credores do banco, e não sobre os trabalhadores.
A União Bancária enfraquece ainda mais o controlo dos Estados sobre os sistemas bancários nacionais, particularmente dos Estados periféricos como Portugal. Aumenta a dependência e a submissão às pressões do Banco Central Europeu e dos interesses que o comandam. Promove a dominação monopolista dos grandes grupos financeiros continentais. Constitui, assim, mais um rude e inaceitável golpe na soberania nacional.
A União Económica e Monetária expropriou os Estados das suas soberanias monetárias, relegando a faculdade de emitir moeda para uma entidade externa, sediada em Frankfurt e distanciada dos controlos nacionais. Por arrastamento, expropriou-os de importantes e crescentes parcelas de soberania orçamental e fiscal. Agora, a União Bancária, com o estímulo e o impulso da progressiva concentração do sistema bancário europeu nuns poucos megabancos, também distanciados de controlos nacionais, pelo menos de países periféricos como o nosso, transfere igualmente para centros de comando externos o controlo da criação de moeda pelos bancos comerciais, a chamada moeda escritural.
Se a criação de moeda é uma prerrogativa soberana dos Estados, estamos na verdade perante uma dupla expropriação. O BCE já tem o monopólio da emissão de moeda. E os megabancos, por via da acção do BCE, ficam fundamentalmente com o monopólio da criação monetária da banca.
Tudo, portanto, articulado, hierarquizado e centralizado no BCE, sem prejuízo do exacerbar da concorrência dos megabancos entre si, num sistema em que a moeda e o crédito, que são bens públicos, e a actividade financeira em geral, se distanciam cada vez mais do controlo público e das necessidades das famílias, dos produtores, das economias nacionais, dos povos e dos países, e se põem cada vez mais ao serviço das necessidades de acumulação de capital dos grandes grupos económicos e financeiros europeus.
A União Económica e Monetária, a arquitectura do Euro, foi-se erguendo em patamares sucessivos, dito de outra forma, foi-se realizando através sucessivos aprofundamentos, num processo com desenvolvimentos recentes muito significativos – a Governação Económica, o Semestre Europeu, o Tratado Orçamental, a supervisão e resolução bancárias únicas, e proximamente a garantia de depósitos.
A cada novo patamar, a cada salto em frente no sentido do aprofundamento da UEM, corresponde também um novo patamar, um novo salto em frente, na promoção e institucionalização da dita austeridade, da exploração, da concentração e centralização de capitais. A cada novo patamar, a cada salto em frente, acentua-se o enviesamento recessivo, financeirizado e especulativo da economia europeia.
Desde o início, a arquitectura do Euro lubrificou a livre circulação de capitais, o que em conjugação com a baixa das taxas de juro estimulou a financeirização e a actividade especulativa. Tomava-se emprestado para especular, não para investir na "economia real".
Normalmente pensa-se na queda das taxas de juro como facilitando, ou podendo facilitar, o investimento "real", produtivo. Mas a verdade é que, particularmente quando a economia estagna, as taxas de juro baixas também servem para alimentar a especulação. Taxas de juro baixas servem para estimular os pedidos de empréstimo. O que se faz com esses empréstimos, investimento produtivo ou especulativo, é outra história.
Ora estagnação foi, em suma, o que tivemos desde a adesão ao Euro. Graças precisamente a esse colete-de-forças que foi e que é o Euro.
Por um lado, a União Económica e Monetária baixou as taxas de juro, muito especialmente para os países periféricos, antes da crise internacional. Facilitou o tomar emprestado e, no caso desses periféricos, o respetivo endividamento externo, sobretudo da banca. Mas, por outro lado, a UEM condicionou e constrangeu fortemente o investimento, o crescimento, o emprego. Resultado: os empréstimos foram direccionados, em grande medida, para investimentos financeiros especulativos (bolsistas, cambiais, derivados, bolha imobiliária, etc.).
Foi uma explosão de actividades financeiras e, muito especialmente, de actividades financeiras especulativas.
O euro lubrificou portanto o movimento dos capitais, muito especialmente os seus canais especulativos. Mas a crise internacional que irrompeu em 2008 abalou seriamente, com graves perturbações, restrições e interrupções, o mercado interbancário europeu.
Os bancos portugueses, por exemplo, que se tinham endividado fortemente no exterior, ressentiram-se disso e tiveram de ser salvos pelo fornecimento de liquidez do BCE e pelos auxílios do Estado.
O mercado interbancário ficou consideravelmente desconectado, com a segmentação nacional dos mercados financeiros, e nunca retomou os níveis anteriores de integração e mobilidade.
A descarada promoção pelo BCE dos megabancos europeus, além dos objectivos gerais de favorecimento dos lucros e da acumulação de capital, é por isso também, neste contexto específico da crise e das suas sequelas, uma tentativa de restabelecer em pleno a livre circulação de capitais, nomeadamente através das transferência de liquidez pelos seus circuitos internos.
A UEM agravou e agrava os problemas estruturais da União Europeia, que não se resolvem com fugas para a frente.
Problemas estruturais que exigem respostas estruturais e não a maquilhagem financeira e monetária, como o despejo massivo de liquidez pelo BCE nos bancos em troca de títulos de dívida.
Esta política de expansão monetária do BCE – o quantitative easing – pode reduzir as taxas de juro, mas mostra-se cada vez mais ineficiente e mesmo perversa.
O dinheiro criado junto da banca é, novamente, retido na esfera financeira, não chega à economia real, é desviado para a especulação. Pode-se fornecer muita liquidez aos bancos, mas não se pode obrigá-los a emprestar às empresas e às famílias. Como se costuma dizer, pode-se levar os cavalos à água, mas não se pode obrigá-los a beber.
Com as fracas perspectivas de rentabilidade, de consumo, de crescimento, com o elevado endividamento privado, que também desincentiva o investimento, os bancos não emprestam, não se anima a procura de bens e serviços, não se estimula a inflacção (deprimida também pelos baixos preços do petróleo), o que se insinua e cresce são novas bolhas especulativas. Como a bolha obrigacionista – até agora, o grande efeito visível do quantitative easing do BCE.
Para terminar, relativamente ao sistema bancário, um país como Portugal, aquilo de que precisa é de uma banca que, em vez dos desequilíbrios, contribua para, entre outros aspectos, corrigir o enviesamento especulativo dos fluxos financeiros, a dependência externa, a divergência com a União Europeia.
Precisamos de uma banca que, em vez de comprometer a soberania nacional e agravar a situação económica do país, defenda a autonomia e independência nacionais, o mercado interno, o investimento produtivo, a expansão e modernização da capacidade industrial, a criação de emprego, o crescimento económico, o desenvolvimento social.
Precisamos, em suma, de uma banca pública, ao serviço do desenvolvimento de cada país. No imediato, em Portugal, isso passa por um grande reforço do sector público bancário, que assegure o controlo público e discipline o mercado financeiro, que salvaguarde a solvabilidade e reoriente a actividade da banca nacional.
Como já afirmámos, “a necessidade de travar a especulação financeira, de canalizar as poupanças e recursos para o investimento na produção nacional, de impulsionar o crescimento e defender a soberania, reclama que a moeda, o crédito e outras actividades financeiras essenciais sejam progressivamente postas sob controlo e domínio públicos, ao serviço dos interesses nacionais”.