A Saúde é um direito

Tivemos oportunidade de ler, na edição de 2 de Maio corrente do Comércio de Baião, um artigo de opinião sobre Saúde, cujo conteúdo, merecendo da nossa parte toda a atenção e acordo, nos sugere um recuo na História para melhor compreendermos a razão pela qual, sendo um bem essencial ao ser humano, a Saúde é um direito e não deve ser considerada como um mero negócio sujeito às normais regras de mercado.
Assim sendo e embora resumidamente, devemos recordar que na Europa e em plena revolução industrial foi considerado necessário, para amenizar uma crescente tensão social existente, promover algo parecido com um contrato social para o bem estar das populações imprescindível para o progresso económico e a paz na sociedade em países como a Alemanha e a Grã-Bretanha, a norte, Portugal, Espanha, Itália e Grécia, nas orlas atlântica e mediterrânica.
Na área da saúde, tornou-se visível a obrigatoriedade da existência duma contribuição para o sistema a partir do rendimento do trabalho, no sentido de financiar o acesso aos cuidados médicos ao operariado e depois, progressivamente, a toda a população trabalhadora.
Chegou-se no entanto rapidamente à conclusão das limitações deste modelo, na medida em que o financiamento resultava somente das contribuições do rendimento do trabalho, surgindo então a ideia do financiamento a partir da totalidade da riqueza produzida em cada país, isto é, a partir do respectivo orçamento geral de cada estado, modelo este que foi então adoptado e lançou assim os alicerces para aquilo que futuramente se designaria como Serviço Nacional de Saúde. E Portugal não fugiu a esta regra.
Contudo, a organização e evolução dos serviços de saúde sempre sofreram, através dos tempos, a influência da agenda política e dos conceitos religiosos e sociais de cada época, procurando essencialmente dar resposta ao aparecimento das doenças.
 Inicia-se em 1899 a organização dos então chamados Serviços de Saúde e Beneficência Pública que entram em vigor em 1903 e cuja prestação de cuidados era de carácter privado, cabendo ao Estado apenas a assistência aos pobres.
Em Abril de 1946, a lei nº. 2011 estabelece a organização dos serviços prestadores de cuidados de saúde através dos Hospitais Estatais e das Misericórdias e dos Serviços Médico Sociais, mas foi somente em 1971 com a reforma do sistema de saúde e assistência que surgiu o primeiro esboço dum Sistema Nacional de Saúde, no entanto incipiente, escassamente estruturado e sofrendo a ingerência e influência dos “interesses instalados” na área, tais como, a direita médica, os grupos privados ligados à criação e distribuição dos produtos farmacêuticos e ainda os grupos financeiros com as suas respectivas seguradoras, alguns dos quais são hoje precisamente os mesmos a lançarem-se de novo ao “assalto” para se apoderarem de todo o sistema de saúde, sem encontrarem obstáculos e até com o favorecimento do poder instituído.
Foi, porém, após o 25 de Abril que o sistema sofreu as mais profundas e positivas mudanças, desde logo por ser criado como um serviço público de saúde, consagrado na nossa Constituição e designado como Serviço Nacional de Saúde, de qualidade, geral, extensivo a toda a população e gratuito, assumindo o Estado como sua responsabilidade prioritária garantir o direito à saúde a todos os Portugueses, facto que nunca acontecera anteriormente.
E os resultados da actividade deste novo paradigma de serviço não se fizeram esperar, nomeadamente na taxa de mortalidade infantil que baixou de 39 por mil para 5 por mil, na esperança média de vida à nascença que passou de 69 anos para 77 anos e até na avaliação do desempenho dos cuidados primários de saúde pela Organização Mundial de Saúde que classificou no ano 2000 Portugal em 12º. lugar a nível mundial, à frente de países como a Grã-Bretanha, Alemanha, Canadá e Estados Unidos.
Entretanto e em Setembro do ano de 1978, realiza-se a Conferência Internacional de Alma-Ata a qual, expressando a necessidade de acção urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nas áreas da saúde e do desenvolvimento e da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo, formulou uma declaração final de cujo conteúdo transcrevemos apenas alguns excertos:
“A Conferência enfatiza que a saúde, estado de completo bem estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, é um direito humano fundamental e a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a acção de outros sectores sociais e económicos, além do sector da saúde.
É direito e dever dos povos participar individual e colectivamente no planeamento e na execução de seus cuidados de saúde.
Os governos têm pela saúde dos seus povos uma responsabilidade que só pode ser realizada mediante adequadas medidas sanitárias e sociais. Uma das principais metas sociais dos governos, das organizações internacionais e de toda a comunidade mundial na próxima década, deve ser a de que todos os povos do mundo, até ao ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva. Os cuidados primários de saúde constituem a chave para que essa meta seja atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social.
A Conferência concita todos a colaborar para que os cuidados primários de saúde sejam introduzidos, desenvolvidos e mantidos, de acordo com a letra e o espírito desta Declaração”.
Corria o ano de 1978 e já tínhamos vivido a data gloriosa do 25 de Abril de 1974.
Aquilo que se passa nos dias de hoje em Portugal na área da saúde, nem de perto nem de longe se coaduna com a declaração da Conferência de Alma-Ata, tão pouco com as recomendações da OMS-Organização Mundial de Saúde e muito menos com o que está consagrado na Constituição da República Portuguesa.
Verifica-se um sub-financiamento crónico e um desperdício de recursos do sistema, fecham Hospitais, Maternidades, Centros de Saúde, Serviços de Atendimento Permanente (SAP) e Serviços de Urgência com condições para uma boa prestação, a promiscuidade entre público e privado é notória, os medicamentos estão mais caros, os meios auxiliares de diagnóstico têm acesso mais dificultado, as listas de espera para cirurgias crescem, as taxas moderadoras aumentam e são criadas novas taxas, transformando assim o utente em utilizador-pagador, situação que, aliada às actuais dificuldades derivadas do desemprego, baixas reformas e pensões, torna a vida da grande maioria dos Portugueses num autêntico desespero.
De facto, como afirma o autor do artigo acima mencionado e publicado no Comércio de Baião de 2 do corrente e nós acrescentamos, o Sol encontra-se entre nuvens bastante negras e espessas, mas não deixará de brilhar, assim todos nós o queiramos.
Lutemos pelos nossos direitos!


09/05/2007
Manuel Vilas Boas
Comissão Concelhia de Baião do PCP