Intervenção de Francisco Lopes na Sessão de Apresentação da sua candidatura no Distrito do Porto

20101203_salaoaticoPortugal no inicio da segunda década do século XXI enfrenta uma fase particularmente difícil da sua história.
Uma situação indissociável do capitalismo e da sua natureza, do processo de integração europeia e das suas opções e da política de direita praticada por sucessivos governos e outros responsáveis políticos, nomeadamente o actual Presidente da República, nos últimos 34 anos em Portugal.
É hoje mais claro a partir da análise objectiva o que significou e significa o rumo percorrido nos últimos anos e as suas consequências.

Um rumo marcado pelo declínio, a fragilização do aparelho produtivo e da produção nacional na indústria, na agricultura e nas pescas e pela estagnação económica. Esta última década é marcada pela continuação do atraso relativamente à média da União Europeia.
 
A diferença entre o PIB e o rendimento nacional, isto é entre a riqueza criada no País e a que efectivamente fica, alarga-se, isto significa que é cada vez maior a proporção da riqueza criada no País.

Este é o processo que gera o défice das contas públicas e os défices externos e promove a acentuação das injustiças sociais e o agravamento da exploração.
 
No plano do emprego com elevadíssimos índices de desemprego e precariedade. Cerca de 680 mil trabalhadores desempregados, uma taxa de cerca de 11%, cerca de 800 mil incluindo os inactivos desencorajados e o subemprego visível. Um número de desempregados que atinge o nível mais elevado desde o regime fascista, com uma forte expressão de jovens e de mulheres.

Mais de 1,2 milhões de trabalhadores em situação precária, 25% dos trabalhadores por conta de outrem, com contratos a prazo, falsa prestação de serviços (recibos verdes), trabalho temporário, estágios profissionais e bolsas de investigação, com consequências na estabilidade do trabalho e na vida.

No plano dos rendimentos e dos direitos dos trabalhadores com salários baixos, a começar por um salário mínimo nacional de 475 euros, a alteração para pior da legislação de trabalho em geral e também dos trabalhadores da administração pública, a desorganização e aumento dos horários de trabalho, os lay-off, a redução dos salários e remunerações, o boicote e a tentativa de destruição da contratação colectiva, o condicionamento da liberdade de organização e acção sindical, a violação dos direitos dos trabalhadores, a arbitrariedade patronal e a prática impossibilidade de acesso à justiça laboral.

Acrescenta-se a baixa do valor das pensões, o aumento da idade da reforma e o corte do valor do subsídio de desemprego e de outros apoios sociais.

Soma-se um forte ataque à Administração Pública, com a redução dos seus efectivos, a desorganização, desmantelamento, desagregação e privatização dos serviços, a descaracterização e enfraquecimento do Serviço Nacional de Saúde, o ataque à escola pública e a elitização do ensino superior.

Assinala-se o prosseguimento do processo de liberalizações e privatizações, com serviços públicos privatizados e submetidos à lógica do lucro e privatização de empresas estratégicas e altamente lucrativas, ao mesmo tempo que proliferam as Parcerias Público Privadas (PPP) que significam uma transferência crescente de muitos milhares de milhões de euros para grupos privados.

Tudo isto no quadro do brutal agravamento das injustiças e desigualdades sociais, numa chocante contradição entre por um lado, as dificuldades crescentes dos trabalhadores e do povo, 20% da população a viver em situação de pobreza, as novas gerações com perspectivas cortadas, o País atingido pela recessão e a estagnação económica e, por outro lado, os lucros dos grupos económicos e financeiros e as benesses dos seus accionistas e gestores e a agudização de situações de corrupção, inseparáveis do domínio do grande capital e da sua ideologia sobre a economia, o poder político e a vida nacional.

É assim que ao longo dos últimos anos o País foi profundamente atingido.

O País foi atingido pelo mercado único que conduziu à destruição do aparelho produtivo e da produção nacional em larga escala e ao desaproveitamento dos recursos nacionais.


O País foi atingido pela privatização generalizada de sectores básicos e estratégicos, com o domínio dos grupos económicos e financeiros, da banca e de outros grupos monopolistas, cujos colossais lucros se baseiam, na exploração do trabalho, na retirada ao erário público de milhares de milhões de euros de proveitos e receitas de impostos e na descapitalização e ruína do sector produtivo, liquidação de muitos milhares de pequenas e médias empresas e explorações agrícolas. Um processo alimentado ao longo de anos pela promoção do endividamento das famílias e de recurso a empréstimos ao estrangeiro, em que a banca funciona simultaneamente como aspirador dos orçamentos familiares com taxas e juros proibitivos em beneficio dos seus lucros e como agente de transferência de parte significativa desses recursos para os lucros dos bancos estrangeiros junto dos quais se financia.

Foi atingido pelo Euro e a fixação da sua cotação em função dos interesses do capital internacional e das estruturas económicas de grandes países, que conduziu a uma elevada perda na possibilidade das nossas exportações, acentuando a destruição do aparelho produtivo e da produção nacional, promovendo o aumento do desemprego e a dependência do País.

Foi atingido em 2008 e 2009, invocando a crise, com a decisão do Governo usando gigantescos recursos públicos para apoio aos grupos económicos e sustentação do sistema financeiro e das suas operações especulativas: 20 mil milhões de garantias, 4 mil milhões de apoios à banca e desde já, porque podem ser mais, 5 mil milhões para beneficiar bancos que entraram em processos fraudulentos como o BPN e o BPP.

O País foi atingido pela extorsão que, aproveitando a dependência externa e os défices provocados pela liquidação do sector produtivo e da produção nacional e pelo uso de vultuosos recursos públicos ao serviço da banca e da especulação, empurra o País para obter empréstimos aos bancos cinco pontos percentuais acima do que estes conseguem no financiamento pelo Banco Central Europeu (BCE), traduzindo-se tal processo, baseado na recusa desse banco central de empréstimo directo aos Estados, no saque de centenas de milhões de euros por ano (milhares de milhões de euros ao longo dos anos) ao erário público transferindo-os para os lucros da banca.

A realidade é chocante. Em apenas seis anos, de 2004 a 2009, os principais grupos económicos e financeiros acumularam lucros superiores a 32 800 milhões de euros. Nos primeiros nove meses de 2010 os lucros dos principais grupos foram significativamente superiores aos de anos anteriores.

A evolução das últimas décadas configura um processo marcado por três elementos essenciais.
 
A centralização e concentração do capital com as privatizações, que restabeleceu o domínio dos grupos monopolistas sobre a economia e a vida nacionais.

A alienação da soberania e independência nacionais, de abdicação dos interesses nacionais, designadamente em torno das opções e do rumo da União Europeia.

O ataque à democracia e aos direitos democráticos, a amputação do regime democrático.

É assim que chegámos ao grau actual de declínio e injustiças sociais que caracteriza o País e às preocupações que coloca quanto ao futuro. As causas são evidentes.

Exige-se ruptura e mudança.

No entanto, aqueles que conduziram o País à situação em que se encontra, multiplicam-se com iniciativas de insistência no mesmo rumo de desastre, com ou sem o recurso ao FMI, agora defendendo a aplicação de medidas ainda mais drásticas.

Depois da justificação em 2002 e 2005 com o combate ao défice, após a invocação em 2008 e 2009 do combate à crise, este ano mês a mês para a imposição de sacrifícios são invocados o défice e a dívida. Qualquer argumento serve. Os PEC e o Orçamento de Estado são expressões brutais como há muitas décadas não se via.

IVA, corte no investimento público.
Desemprego, cortes nos salários, precariedade.
Congelamento das pensões, aumentos dos custos com a saúde.
Ataque aos serviços públicos.
Cortes nos apoios sociais, no complemento solidário para idosos, nas bolsas de estudo, no abono de família.
Tolerância para os grupos económicos e financeiros (não pagam ou têm impostos reduzidos).

Recessão económica, mais desemprego, mais dependência e injustiça social.
Especulação continua.


A Irlanda (exemplo), ajuda? FMI e a União Europeia as chamadas reformas estruturais.

Escalada.
Legislação de trabalho. SNS. Escola Pública. Apoios sociais.
Exploração, pobreza, miséria, fome, retrocesso.
Caridade.
Liquidação da soberania nacional


Portugal enfrenta uma situação grave que coloca ao povo português a necessidade de fazer opções quanto ao futuro, baseadas na análise das razões que nos conduziram à actual situação e no rumo capaz de a enfrentar e superar, na afirmação convicta de que é possível um País mais desenvolvido e mais justo.

O Presidente da República no quadro dos seus poderes constitucionais tem um papel a desempenhar e precisa de tomar opções, que deve clarificar perante o País. (PS, PSD, CDS-PP/ Cavaco Silva/Manuel Alegre/Fernando Nobre).

A minha candidatura tem uma análise, um posicionamento e assume um compromisso claro quanto ao futuro: mudança de política, ruptura com o rumo dominante na política nacional, afirmação de uma política alternativa e de um novo rumo para o País.

A afirmação do reforço do aparelho produtivo e da produção nacional, como componente essencial para o desenvolvimento económico, para a criação de postos de trabalho com objectivo do pleno emprego e para a resolução dos principais estrangulamentos do País (….).

A valorização do trabalho e dos trabalhadores, de afirmação dos seus direitos, que combata a precariedade e o desemprego, que assuma a protecção social e os direitos sociais.

O aumento dos salários e das pensões, a elevação do poder de compra, um factor de maior justiça social, de contribuição decisiva para reduzir as desigualdades na distribuição do rendimento, de combate à pobreza, de estímulo ao desenvolvimento económico e sustentação da actividade de milhares de pequenas e médias empresas.

A criação de condições às novas gerações, garantindo os seus direitos no emprego, no estudo, na cultura, convívio e lazer, na habitação e no apoio à vida familiar e à realização pessoal.

A afirmação da igualdade das mulheres no trabalho e na vida, a dignificação e valorização da vida dos mais idosos, a defesa dos direitos dos emigrantes e imigrantes e o combate a todas as discriminações.

A resposta aos problemas e aos direitos das pessoas com deficiência, questão de todos os dias e de todos aos anos que, hoje dia internacional da pessoa com deficiência, aqui destaco.

1º A minha candidatura distancia-se dos discursos governamentais que, usam desta data, para continuar a semear ilusões quanto ao seu empenho na construção de uma sociedade inclusiva das pessoas com deficiência com respeito pelos seus direitos, como direitos humanos fundamentais. Porque não há sociedade inclusiva dos cidadãos deficientes, no respeito pelos seus direitos inscritos na Constituição da República num quadro marcado pelo aumento do fosso entre uma minoria que acumula riqueza e privilégios à custa do aumento das injustiças e desigualdades na distribuição do rendimento nacional, e da retirada de direitos aos que vivem do seu trabalho, da sua reforma ou se encontram numa situação de pobreza. Pelo contrário é na ruptura com esta política que a minha candidatura preconiza que se garantirá um caminho que retome e aprofunde as profundas alterações que foram possível realizar após o 25 de Abril de 1974 no combate à marginalização social e na garantia de direitos para as pessoas com deficiência.


2º O conteúdo das medidas ditas de austeridade dá novos passos na edificação de uma política retrógrada e de retrocesso social para as pessoas deficientes e suas famílias numa linha de aprofundamento da desresponsabilização do Estado nas suas especiais responsabilidades na promoção dos direitos das pessoas com deficiência: cada vez mais a resposta às necessidades específicas das crianças e jovens dependem do nível de rendimento das famílias abandonadas à sua sorte; aumenta o desemprego das pessoas com deficiência e a quota de emprego na administração pública é uma miragem; acrescem as dificuldades de conciliação da actividade profissional e apoio aos filhos com deficiência.

Exemplos:

- O congelamento nas admissões na Administração Pública e os cortes nas despesas sociais vão ter consequências gravíssimas na degradação da capacidade de resposta às necessidades específicas das pessoas com deficiência: no plano da saúde e da reabilitação; no plano da segurança social onde se fazem sentir os cortes nos abonos de família, do subsídio social de desemprego, e os baixos valores das reformas e pensões de invalidez;

No plano da educação: - no plano da escola pública como foi denunciado recentemente pela FENPROF as medidas impostas pelo Orçamento de Estado podem acabar com a escola inclusiva; só entre 2008 e 2010 foram afastados da educação especial, mais de 20 mil alunos; faltam milhares de docentes de educação especial nos quadros escolares/agrupamentos;

- O aumento do custo de vida irá criar ainda mais dolorosas dificuldades às
famílias com crianças e jovens deficientes cada vez mais abandonada à "sua sorte", dependendo a capacidade de dar satisfação às necessidades específicas do seu nível de rendimento e num quadro em que estas são abandonadas à sua sorte;

- os cortes no investimento público, a falta de dinamização do tecido produtivo alargam ainda mais as situações de desemprego e de eliminação do emprego com direitos para as pessoas deficientes ao mesmo tempo que é letra morta a quota de emprego na Administração Pública.

Uma palavra para os trabalhadores sinistrados do trabalho que continuam a
Viver com pensões de miséria, enquanto aumentam os lucros das seguradoras...

3º Uma saudação muito especial às organizações de deficientes, às pessoas com deficiência e suas famílias que não abdicam de lutar todos os dias, no plano individual e colectivo, na exigência de políticas públicas que respondam, de facto, às necessidades específicas das pessoas com deficiência exortando-as a que canalizem a sua revolta e indignação na exigência de ruptura com esta política que compromete o PS, o PSD e o CDS-PP e o actual Presidente da República.

O novo rumo que defendemos passa ainda por outras importantes vertentes.

A garantia de um sector público forte e determinante, o apoio às PME, a defesa dos serviços públicos, das funções sociais do Estado, na saúde, na educação, na segurança social.

A valorização das imensas potencialidades da nossa agricultura, das pescas e de todos os recursos do mar, a defesa, na sua especificidade, da pequena e média agricultura, das explorações familiares que, garantindo rendimentos dignos aos agricultores, promova a protecção e desenvolvimento da floresta, defenda o mundo rural e combata o abandono e a desertificação do interior.

A promoção da cultura e da língua portuguesas e do desenvolvimento de uma política nacional de ciência e tecnologia, que estimule e diversifique a produção e a criação artística, promova a fruição cultural, preserve e difunda o património cultural e a cultura popular, que aposte na ciência e investigação, no acesso sem restrições ao conhecimento, como forma de emancipação humana.

A promoção duma adequada política de ambiente e de ordenamento do território, que assegure o equilíbrio ecológico, um desenvolvimento sustentado e a coesão territorial e que preserve os recursos naturais em articulação com a actividade humana.

A acção para que o Estado esteja ao serviço do desenvolvimento, com o fortalecimento e autonomia do Poder Local, a afirmação da autonomia político-administrativas das regiões autónomas, a concretização da regionalização, uma Administração Pública eficiente, uma política de Segurança Interna que garanta a tranquilidade e os direitos das populações, uma Justiça célere e eficaz que combata a corrupção e a impunidade e uma política de Defesa Nacional e de relações externas assente nos princípios da soberania nacional, da cooperação e da paz.

A ruptura com a natureza do processo de integração europeia e com a postura de submissão ao imperialismo e à NATO, que integre um quadro diversificado de relações internacionais, e contribua para um mundo mais justo, de paz e cooperação, onde seja assegurado aos trabalhadores e aos povos o direito a decidirem do seu próprio destino.

A situação actual do País remete-nos para outras fases decisivas da nossa história, momentos de ruptura e mudança, de avanço e progresso.

Temos sempre presente esse acontecimento maior da nossa história que é a Revolução de Abril de 1974.

Hoje a dimensão dos problemas coloca novamente a necessidade de profundas mudanças. Com uma particularidade, então tratou-se de refundar o País com implicação na aprovação de uma nova Constituição, hoje apesar de todas as entorses de sucessivas revisões, a Constituição da República Portuguesa consagra no essencial o projecto de mudança que Portugal precisa.

Os problemas do País radicam numa prática política, numa acção governativa e num rumo contrários à Constituição.

O sentido da mudança que o País precisa assenta no cumprimento da Constituição da República Portuguesa e do projecto que ela comporta.


O Presidente da República declara solenemente na tomada de posse “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa” e é isso que a situação impõe, usando os poderes que a Constituição lhe atribui.

Esse é o compromisso que assumo, não apenas como declaração, mas como prática política.

O compromisso com a ruptura e mudança que Portugal precisa, na afirmação dum projecto político patriótico e de esquerda, vinculado aos valores de Abril.

O compromisso que verdadeiramente apenas a minha candidatura assume. A única que nada tem a ver com as opções que conduzem ao afundamento do País, a única que propõe a ruptura e mudança na efectiva concretização duma democracia política, económica, social e cultural.

A eleição para Presidente da República faz parte deste processo de mudança que exige a máxima mobilização e intervenção social e política.

Exige o uso de todos os direitos consagrados na Constituição. O direito de opinião, de propaganda, de organização, de manifestação e de greve, entre tantos outros. Essa é uma questão do momento e do próximo futuro.

A minha candidatura dá assim uma grande importância e valor à opinião, à participação e à luta dos trabalhadores, da juventude, das massas populares.

Saudamos e valorizamos a luta dos trabalhadores dos diversos sectores, dos agricultores, a petição da Interjovem com mais de 20 mil jovens trabalhadores contra a precariedade no trabalho, as recentes jornadas de luta dos estudantes do ensino secundário e do ensino superior, a manifestação Paz Sim Nato Não, afirmação pela paz, a cooperação e um mundo mais justo, importante demonstração de civismo, serenidade e combatividade, contra a provocação, o medo e a desmobilização.

Saudamos e valorizamos o êxito da Greve Geral de 24 de Novembro.

Esperança, confiança, determinação são a base do apelo que faço aos trabalhadores, à juventude, ao povo português para com a sua vontade, a sua acção, a sua luta e o seu voto, assumir o futuro do País nas suas próprias mãos e concretizar o desenvolvimento, a justiça e o progresso social a que têm direito.