Cimos (In)acessíveis

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Alexandre Teixeira Mendes

Como interpelar, portanto, peremptoriamente a opera omnia de José Saramago dentro de um círculo de problemas comuns à teologia e à filosofia? Assim sendo, valorizando o imaginário do sagrado, – sacer ou sanctus –, ou o âmbito da experiência relativa ao salvo, ao indemne, ao imune, ampliando os marcos argumentativos da ideia de deus? Que nos remete ao classicismo da tradição cristológica do dogma? Como explicitar esse movimento incessante dos discursos sobre a religião “revelada”? A partir da sua (in)congruência originária? Precisamente procedendo por si mesmo à própria inversão do “acontecimento Jesus”? Da viva vox evangeli, a palavra de deus predicada? Nesse instante de colisão narrativa mas, sim, desconstrução do monoteísmo – por ex. nas lições de “O evangelho segundo Jesus Cristo” ou “Caim” – assimilando, efectivamente, em moldes sucessivos, um sólido enraizamento (proto)abrâmico – continuamente (re)(cons)truído. Mas como, manifestamente, esta problemática da promulgação de uma fé que gravita, com o seu peso, sobre a aquisição da verdade (o que se projecta e alcança realização)?

Desejar-se-ia preservar o vínculo à politeia, lembremo-lo, a possibilidade de levar à prática a “ordem boa” – o justo – adequada à natureza ética-espiritual do homem? Como enquadrar os dictamina dos filósofos da suspeita assimiláveis à perda da credibilidade da religião e desacreditação das visões sobrenaturais do mundo? Mas também de uma “ontologia da violência” que é inseparável (genealogicamente) de um Deus “omnipotente”? Onde a codificação de um dizer na infracção de um saber metafísico ou saber de salvação? Podemos compreender claramente o juízo ético e a blasfémia em José Saramago. E onde, entretanto, parece fácil conformar ou traduzir-se um texto – multíplice – na sua tessitura de desencantamento do mundo. Assim (de antemão) um estilo (meta)ficcional – como bem assinalou Miguel Real – que procede a uma desconstrução efectiva de mitos culturais fundadores  nomeadamente o Jesus da história – na sua interpretação mítica – que é o Jesus, o Cristo, da fé eclesiástica) para deixar marcas (ir)reversíveis? Como o intento peculiar da criação e (sob a suposição – seguindo o teólogo Karl Rahner – da culpa) a redenção? Será desnecessário postular a problemática do mal –  eflexamente presente no nosso autor – um desafio para a filosofia e a teologia – como salientou frequentemente Paul Ricoeur – hiproblemático – para bem compreender a configuração da vida divina, pois, paradoxalmente, entendida como mal absoluto? Não se trata de ser incorporado ao fulcro, por exemplo, assim, do mal moral – o pecado – o opaco e o diabólico, a transparência e o obstáculo, pois, no plano das vicissitudes humanas – a reconciliação com a sombra – mas da preeminência do homem novo e de uma nova humanidade, cimos (in)acessíveis?