Intervenção de Jaime Toga, da Comissão Política do Comité Central do PCP no encerramento do debate "Prostituição: uma grave forma de violência e exploração"

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Caros camaradas, caros convidados

Em nome da Direcção da Organização Regional do Porto do PCP quero sublinhar o agradecimento a todos os que aceitaram o nosso convite para participar nesta sessão.
Uma sessão que contou com o contributo de assistentes sociais, de instituições profundamente conhecedoras e intervenientes junto das mulheres – como o caso do MDM ou na Associação O Ninho. Que abriu espaço para o debate e a troca de opiniões, para a expressão de dúvidas, experiências e contributos de todos.
Procuramos aqui fazer um debate, integrado num caminho, seguindo um rumo. Sistematizamos informação, exemplos e argumentos que ajudem todos os que connosco se empenharão nesta batalha contra esta grave forma de violência e exploração.
Uma batalha contra a legalização da prostituição que inserimos na luta mais geral, a luta contra todas as formas de exploração e opressão, que reclama passos no sentido de perspectivar e concretizar avanços na consolidação de valores democráticos e progressistas, garantindo igualdade (na Lei e na vida), no quadro da construção de uma sociedade mais justa, mais solidária e mais democrática.
Tal como referido no período de debate, há homens também atingidos, mas são as mulheres e crianças as principais vítimas da prostituição. E, quando falamos de prostituição, falamos de um flagelo. Falamos de uma grave forma de violência e exploração. Falamos de uma forma de exploração e exclusão de classe, indissociável do tráfico de seres humanos e da lavagem de dinheiro.
Falamos de uma realidade que cresce e se desenvolve neste sistema explorador e opressor, o capitalismo, onde tudo se vende porque o dinheiro, dizem eles, compra tudo. Com a mesma facilidade com que compram uma casa, um carro ou uma garrafa de whisky, querem comprar também o corpo da mulher, a sua dignidade, os seus sonhos e a sua felicidade.
É por isto que insistimos em afirmar que a prostituição não é aceitável, não é legalizável, nem é para perpetuar. Para o PCP, o caminho faz-se combatendo a prostituição e o proxenetismo. Faz-se defendendo o direito e a dignidade das mulheres e de todos os seres humanos.
Falando da legalização da prostituição, importa ter presente o quadro legal em que intervimos no nosso País.
Em Portugal a prostituição não é crime, a pessoa prostituída não é perseguida nem criminalizada.
Em Portugal o criminoso é quem explora a prostituição: o proxeneta.
É um quadro legal que resulta da Revolução de Abril, mas sem que os sucessivos governos tenham tomado medidas consequentes no plano social, nem tão pouco tenham tomado medidas para permitir que as mulheres nesta situação tivessem ajuda para se libertar.
O que temos assistido é a evoluções de sentido contrário, que visam abrir caminho para a aceitação da prostituição.
São exemplos disto a disseminação, mesmo em documentos governamentais, de conceitos e expressões como “trabalhadoras do sexo”, “trabalho sexual” ou “prostituição voluntária”. Um conjunto de conceitos que, quando desenvolvidos, tornarão os chulos em “empreendedores do negócio do sexo”.
Sejamos claros. Não há prostituição forçada e prostituição voluntária!
Há prostituição. E prostituição é violação do corpo, da intimidade, do sentimento, da dignidade.
A prostituição é, por isso, uma extrema forma de exploração à qual ninguém se sujeita de forma voluntária, por opção ou por desejo.
A legalização da prostituição (ou regulamentação da prostituição, como alguns lhe chamam de forma eufemística) é uma velha solução que, no quadro da actual crise do sistema capitalista, abre novas oportunidades de lavagem de dinheiros de actividades criminosas e ilegais, de branqueamento de capitais e ainda a incorporação no PIB do país de receitas desta sórdida exploração das mulheres e jovens das camadas mais pobres e vulneráveis a quem o sistema nega direitos fundamentais para uma vida digna.
A prostituição é um dos crimes que mais dinheiro envolve, a par do tráfico de armas e de drogas. No mundo estima-se que os lucros com a prostituição ascendam a 186 mil milhões de dólares, valores que, estando longe de corresponder à gigantesca dimensão da exploração para a prostituição, colocam em evidência o quanto é apetecível a chamada «indústria do sexo» como fonte de lucro.
Os que defendem a legalização da prostituição em Portugal apresentam como novas soluções as velhas aspirações que foram adoptadas ao longo da história da humanidade.
Na Grécia antiga, a prostituição era considerada necessária e organizada estatalmente.
Na Idade Média, a necessidade de prostitutas para satisfazer os prazeres dos clientes levou à organização e regulamentação da prostituição como uma profissão reservada a mulheres excluídas, que servia o execrável objectivo de contribuírem para a «melhor preservação do casamento e da honra das donzelas».
Desde o século XIX que se desenvolvem concepções políticas e ideológicas de defesa da prostituição como uma “necessidade social” ou um “mal necessário”.
Actualmente, desenvolvem-se concepções de que a prostituição é um direito da mulher. Um direito da mulher vender o seu corpo. Mas escondem que estamos sempre, mas sempre, perante relações de poder das classes dominantes sobre as classes exploradas, do domínio do mais forte sobre o mais fraco, da opressão e exploração das mulheres das classes mais pobres e vulneráveis de que são historicamente oriundas as mulheres aprisionadas neste sórdido negócio.
Quem defende a legalização, defende a perpetuação e a legitimação de um brutal mecanismo de exploração, de desigualdade e violência sobre as mulheres das classes trabalhadoras e populares.

A prostituição não é uma opção, é exploração.
Não é uma profissão, nem tão pouco uma escolha. É exactamente o contrário: é a total ausência de liberdade de escolher o projecto de vida, a ausência do direito a ter direitos e a total falta de respeito pela dignidade humana.
A relação entre a mulher prostituída e os clientes atenta contra o seu corpo e a sua dignidade, violentando-a e ultrajando-a. O seu corpo é usado e abusado como «objecto sexual», como «coisa» que é usada por quem compra, usa e deita fora.
A mulher não é objecto. A mulher não se vende. A mulher não é brinquedo para que outros satisfaçam as suas fantasias a troco de uns euros.
Por muito que queiram pintar cenários “cor-de-rosa”, por muito que o negócio em torno da prostituição fale de glamour, na prostituição não existe uma relação de liberdade e de respeito entre dois sujeitos de iguais direitos. Pelo contrário, um compra e domina, o outro sujeita-se e subordina-se.
A mulher que está nas malhas da prostituição não precisa de carteira profissional. Precisa, como qualquer ser humano, de emprego com direitos, precisa de habitação, precisa de acesso à educação e formação, de cuidados de saúde e de protecção social.
A prostituição não é trabalho. É precisamente o contrário. É a negação do direito da mulher ao trabalho com direitos, condição necessária à autonomia pessoal, económica e social e sem a qual não há igualdade na vida.
É perpetuar mulheres mais pobres na prostituição, negando-lhes direitos e dignidade. É negar o direito das mulheres ao trabalho produtivo, exercendo direitos próprios, mas também é negar o seu papel e contributo ao desenvolvimento social e ao progresso do país.
Mas, contrariamente ao que alguns procuram fazer crer, o PCP não defende que fique tudo na mesma.
O PCP considera preocupante e propõe medidas face à evolução da prostituição na nossa região, no nosso País.
Mas não são medidas que perpetuem a exploração das mulheres e alimentem o negócio em torno da prostituição. São medidas que passam pela identificação das causas para a sua erradicação.
É preciso identificar as causas porque, para o PCP, este problema só será enfrentado assumindo a prostituição como uma expressão de violência cujas causas têm de ser prevenidas e combatidas e tomadas medidas que visem a recuperação de direitos e de dignidade por parte das mulheres prostituídas.
Olhando para esta União Europeia, as causas encontram-se no aprofundamento do processo de integração capitalista, que tem levado a retrocessos no plano social que adquirem uma dimensão civilizacional.
Veja-se o empobrecimento de amplas massas da população provocado pelas políticas neoliberais, que fazem aumentar as desigualdades na distribuição da riqueza e crescer o fosso entre ricos e pobres.
Vejam-se os mais de cem milhões de europeus em risco de pobreza.
Vejam-se as consequências das liberalizações e as privatizações, que afastaram as classes mais desfavorecidas do acesso à saúde, à educação e à protecção social.
Veja-se a desregulação laboral; o ataque aos direitos e à própria noção de emprego com direitos; o ataque à contratação colectiva; o aumento do horário de trabalho e a redução dos salários; a par do deliberado e programado desmantelamento de funções sociais do Estado para servir o negócio privado.
Veja-se o crescimento das desigualdades sociais… e verifique-se que se acentuaram as desigualdades entre mulheres e homens e que aumentou o número de mulheres atiradas para a prostituição, numa dimensão que está ainda por avaliar devidamente.
O que é necessário é a adopção de instrumentos legais que permitam garantir as condições necessárias para que as mulheres prostituídas possam libertar-se dessa sórdida exploração a que estão sujeitas.
Olhe-se para o distrito do Porto, conheça-se a realidade concreta. Atentem-se nos testemunhos como o que hoje aqui ouvimos e tomem-se medidas. Medidas urgentes e concretas para impedir a manutenção dos factores que empurram as mulheres para a prostituição.
O PCP considera urgente que a prostituição seja assumida pelos poderes políticos como uma grave violência sobre as mulheres, inscrevendo-a nas prioridades de combate e prevenção a todas as formas de violência sobre as mulheres.
O PCP sempre teve – aliás, é o único Partido político que sempre teve – uma posição clara sobre a prostituição  enquanto forma de violência sobre as mulheres. E, em coerência tem apresentado propostas para o combate a todas as formas de violência sobre a mulher. Seja a violência doméstica, seja a violência no trabalho, seja a violência da prostituição.
O PCP aponta para a necessidade de criação de um Plano de Combate à Exploração na Prostituição que, no respeito pelo enquadramento legal vigente, vise designadamente:
– O estudo da realidade da prostituição em Portugal;        
– A adopção de medidas de prevenção das causas económicas, sociais e culturais que aprisionam as mulheres na prostituição;
– A criação de um vasto conjunto de apoios que garantam o acesso imediato das pessoas prostituídas e seus filhos a um conjunto de apoios que lhes permitam a reinserção social e profissional;
– A eliminação nos relatórios e documentos oficiais do uso de terminologias que associem a prostituição a «trabalho sexual» e as mulheres prostituídas como «trabalhadoras do sexo».

Caros convidados, caros camaradas,
Sabemos que não há formulas milagrosas, que a prostituição não se erradica com passos de mágica. Mas sabemos que, se enfrentarmos as causas, podemos começar por resolver o problema criando condições para que mais nenhuma mulher seja empurrada por esta via por ter perdido o emprego, por não ter dinheiro para pagar a casa ou sustentar os seus filhos.
Prevenir e combater prostituição como uma grave violência e exploração é uma causa justa e actual inscrita na luta das mulheres pela ecfetivação da igualdade, na lei e na vida, em todos os domínios da sociedade, uma causa inscrita na luta dos trabalhadores e dos povos, pela liberdade e democracia, pelo progresso, a justiça e a Paz.
O respeito e o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, a assunção de um rumo que percorra os caminhos abertos pela revolução de Abril, a política patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao nosso povo, são sementes de esperança, de confiança e de alento que semeamos e que, estamos certos, florirão enquanto parte de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. A sociedade sem exploradores nem explorados.

24 de Março de 2018